Bahia / Licor Roque Pinto / O Sabor da Tradição: Como o Licor Roque Pinto mantém viva a cultura de Cachoeira e aquece a economia no São João
O licor de jenipapo continua sendo o mais procurado, mas a casa oferece uma ampla variedade de sabores, como maracujá, cajá, chocolate, coco e muitos outros.
Em Cachoeira, no Recôncavo Baiano, o São João tem um cheiro doce e marcante — é o aroma do licor artesanal, símbolo de afeto, memória e resistência cultural. Entre as marcas mais tradicionais está o Licor Roque Pinto, que, além de preservar receitas centenárias, impulsiona a economia local e representa um elo entre passado e presente.
Raízes profundas: a origem do Licor Roque Pinto
A história começou com Roque Pinto, comerciante respeitado na cidade. O licor, inicialmente uma gentileza para clientes e amigos, rapidamente ganhou fama. “Ele fazia os licores em casa, com frutas da região e a paciência de quem respeita o tempo das coisas. As pessoas vinham de longe para experimentar. Era um ritual”, lembra o neto e atual responsável pela produção, Rosivaldo Pinto.

📸Onildo Rodrigues
Com o tempo, o que era um agrado virou negócio. A produção aumentou, mas sem perder o caráter artesanal. “Hoje usamos alguns equipamentos para agilizar etapas, mas o processo continua cuidadoso. Tudo é feito com muito zelo.”
Produção que gera emprego e esperança

📸Onildo Rodrigues
Durante os meses que antecedem o São João, o Licor Roque Pinto se transforma em um verdadeiro polo de produção. Aproximadamente 70 pessoas são empregadas temporariamente para dar conta da demanda crescente — de embaladores a rotuladores, passando por cozinheiros e ajudantes gerais.
“A produção é intensa. A gente trabalha praticamente em regime de mutirão. São 10, 12 horas por dia. Mas todo mundo veste a camisa, porque sabe que ali tem história, tem valor”, explica Rosivaldo.
O impacto vai além dos muros da fábrica. Restaurantes, pousadas, lanchonetes e até transportes por aplicativo relatam aumento nas atividades por conta dos turistas que visitam Cachoeira em busca dos licores tradicionais.
Do jenipapo ao chocolate: uma paleta de sabores regionais
O queridinho segue sendo o tradicional licor de jenipapo, considerado o mais emblemático da região. Mas o catálogo é vasto: maracujá, cajá, tamarindo, cupuaçu, coco, chocolate, morango, leite condensado e até combinações inusitadas como café com amêndoas.
“Cada sabor tem uma história. O de cajá, por exemplo, é muito ligado à infância das pessoas. Já o de chocolate agrada a quem busca algo mais suave. Tem quem leve garrafas variadas só para relembrar momentos da vida”, diz o produtor.
Mas nem tudo são flores. A produção depende diretamente das safras. “Se o cajá atrasa ou o jenipapo não vem como esperado, precisamos ajustar a quantidade. E isso frustra alguns clientes que já têm o hábito de comprar o mesmo sabor todo ano.”
Ingredientes regionais e processos manuais
Grande parte das frutas é comprada na própria região, fortalecendo a agricultura familiar. Os produtores locais se beneficiam da demanda, criando uma cadeia produtiva que vai muito além do licor. A base alcoólica, feita com cachaça, também segue critérios de qualidade, embora ainda precise ser trazida de outras regiões.
Todo o processo — da escolha das frutas à finalização da garrafa — é feito manualmente. Cada rótulo é colado à mão, cada frasco é inspecionado um por um. A pasteurização e o tempo de descanso também seguem uma rotina rígida, que respeita o tempo da natureza e da química dos ingredientes.
“Tem licor que é engarrafado com 30 dias, outros só com 90. O de maracujá, por exemplo, é mais fresco, deve ser consumido logo. Já o de jenipapo ou de frutas densas, como jaca, ganham corpo com o tempo — como um bom vinho.”
Desafios e malabarismos fora do São João
Apesar da explosão de vendas no período junino, o restante do ano é um teste de sobrevivência. As vendas caem drasticamente, e o lucro acumulado nos três meses de maior movimento precisa ser suficiente para sustentar o negócio e as famílias envolvidas ao longo do ano inteiro.
“É preciso fazer malabarismo. Temos que segurar o dinheiro, prever o que pode acontecer. Não dá pra depender de eventos o tempo todo. O que sustenta é o planejamento.”
Identidade engarrafada: o licor como patrimônio
Além de abastecer o mercado local e Salvador, o licor já chegou a cidades como Feira de Santana, São Félix e até outros países — França, Alemanha e Estados Unidos — por meio de encomendas feitas por brasileiros que moram fora.
“Eles compram para lembrar do São João, da família, da Bahia. Tem gente que chora quando sente o cheiro do jenipapo. Isso é o mais gratificante: saber que o que fazemos toca o coração das pessoas.”
Com expectativa de vender cerca de 100 mil garrafas em 2025, a equipe do Licor Roque Pinto segue com os pés no chão e os olhos no futuro.
“Nosso licor é mais que uma bebida. É uma forma de manter a história viva, de passar adiante o que aprendemos com nossos avós. É a nossa maneira de dizer: a Bahia vive aqui, nesse sabor.”


📸Onildo Rodrigues
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